Todo cidadão brasileiro deveria saber que nossas escolas são templos de doutrinamento político e ideológico, que essa conduta é indevida e que ela tem impactos nefastos no nosso sistema educacional e no futuro do país. Vamos por partes.
Que
nossas escolas, tanto públicas quanto particulares, foram há muito invadidas
por pregação ideológica, quase sempre de viés filossocialista, não deveria ser
novidade para ninguém. Os próprios professores são réus confessos. Em perfil do
nosso professorado publicado pela Unesco e pelo Ministério da Educação
(bit.ly/2bFMem1), 72% de nossos mestres dizem que a função principal do
professor é "formar cidadãos conscientes". "Proporcionar
conhecimentos básicos" ficou com 9% e "formar para o trabalho"
foi mencionado por 8%.
No
mesmo questionário, 55% dos professores discordam (!) da seguinte afirmação,
relativa ao comprometimento do profissional em início de carreira: "A
atividade docente deve reger-se pelo princípio da neutralidade política".
Caso você tenha alguma dúvida sobre para que lado pende o viés político adotado
na sala de aula do seu filho, saiba que 76% dos professores dizem que "A
liberdade e a igualdade são importantes, mas, se tivesse que escolher uma das
duas, consideraria a igualdade como mais importante, isto é, que ninguém se
veja desfavorecido, e que as diferenças de classe social não sejam tão
fortes".
Essa
preferência dos docentes foi mesmo institucionalizada durante a gestão petista.
Nosso Ministério da Educação assim orientou editoras sobre quais deveriam ser
os enfoques dos nossos livros didáticos (bit.ly/2bHnVkV): "promover
positivamente a imagem da mulher"; "incentivar a ação pedagógica
voltada para o respeito e valorização da diversidade, aos conceitos de
sustentabilidade e da cidadania ativa"; "promover positivamente a
imagem de afrodescendentes e descendentes das etnias indígenas
brasileiras".
Neste
ano, um dos itens indispensáveis listados no edital (bit.ly/2bFY2yz) para a
seleção dos livros de ciências humanas e naturais adotados no ensino
fundamental (atenção: alunos de 6 a 14 anos) é que as publicações visem "à
formação de um cidadão do século 21, pronto para aprender como bem utilizar e
conservar os recursos naturais, respeitar os direitos humanos, a diversidade
cultural e para lutar pela construção de uma sociedade mais justa, solidária,
sem preconceitos e estereótipos".
Basta
folhear qualquer livro didático entre os mais adotados de história ou geografia
para notar que as diretivas são entusiasmadamente seguidas (faça o teste com o
do seu filho). A inclusão da filosofia e da sociologia como disciplinas
obrigatórias no nosso currículo é garantia de que, se todas as outras
disciplinas não tiverem conseguido fazer nosso aluno pensar do jeito "certo",
haverá mais duas oportunidades de doutrinamento, para que todos possam realizar
seu catártico praguejamento contras as elites, o neoliberalismo e o jugo
capitalista.
Chega
a ser quase surreal ter de argumentar que uma escola –especialmente a pública,
da qual os filhos do cidadão de menos condições socioeconômicas recebem a
escolarização obrigatória– não tem o direito de usar de seu público cativo para
expressar os pontos de vista políticos de seus professores. O texto definitivo
sobre esse assunto, na minha opinião, foi pronunciado por Max Weber no
longínquo 1918, publicado posteriormente como "A Ciência como
Vocação". Recomendo a leitura na íntegra (bit.ly/2ccTxNr).
Weber
diz o seguinte: "Se, numa assembleia popular, se fala de democracia, não
se faz então nenhum segredo da posição pessoal: pois tomar partido de uma forma
clara é aí o maldito dever e a obrigação. As palavras que nessa altura se
utilizam não são instrumento de análise científica, mas de propaganda política
em vista da tomada de posição dos outros. Não são relhas de arado para abrir o
campo do pensamento contemplativo, mas espadas contra o inimigo: meios de luta.
Em contrapartida, utilizar assim a palavra numa aula ou numa conferência seria
um sacrilégio". Por quê?
"Tanto
ao profeta como ao demagogo se diz: 'Vai pelas ruas e fala publicamente'. Ou
seja, onde a crítica é possível. Num auditório, deve o professor falar diante
dos seus ouvintes, e estes guardar silêncio; os estudantes, em vista da sua
progressão, estão obrigados a frequentar as aulas de um professor e nelas não é
permitido fazer críticas. Considero, pois, uma irresponsabilidade que o docente
aproveite esta circunstância para estampar nos ouvintes as suas próprias ideias
políticas, em vez de se limitar a cumprir a sua tarefa: ser útil com os seus
conhecimentos e com as suas experiências científica. [...] Sempre que o homem
de ciência surge com o seu próprio juízo de valor, cessa a plena compreensão
dos fatos."
TRAIDOR
O
professor que faz política em sala de aula é um duplo traidor. Trai a confiança
do aluno na sua imparcialidade e na crença de que um professor não abusará da
sua posição de poder para tratar de assuntos que transcendem o universo
acadêmico, e trai também a ciência que representa, pois a partir do momento em
que se posiciona, não há como saber quantas e quais distorções ele haverá de
fazer sobre a matéria que deveria ensinar para que ela se adeque à sua
cosmovisão.
No
Brasil atual, porém, nem acho que essas traições sejam a faceta mais condenável
da saturação ideológica vivida em nossas salas de aula. A consequência mais
perniciosa dessa politização é que ela serve para encobrir a acachapante
incapacidade de nossa escola de cumprir sua missão. Se você reclamar de algum
profissional por ele não estar conseguindo cumprir seu trabalho a contento, a
maioria deles haverá de buscar melhorar e se sentir embaraçado pela crítica.
Diga
a um professor brasileiro típico que seus alunos estão analfabetos, ou não
sabem fazer uma multiplicação, ou que não dominam qualquer outra competência
básica que qualquer pessoa precisa ter em sua vida e ele lhe responderá que
"educação é muito mais do que isso", "essa é a agenda neoliberal
da formação para o trabalho", "isso é reducionismo", "a
formação do cidadão crítico e consciente é muito mais importante" e outras
tertúlias.
Com
essa ideologização, o establishment educacional brasileiro se blinda, vira
refratário a qualquer autoanálise e bloqueia toda tentativa de reforma que
objetive melhorar o desempenho dos nossos alunos. Nossa ideologização não é
apenas um mal em si mesmo: serve para encobrir e perpetuar o mal maior, que é o
nosso fracasso educacional.
Desnecessário
dizer que é esse fracasso, mais do que qualquer ausência de espírito
"crítico e consciente", que condena nossa sociedade à pobreza, à
desigualdade e a tudo aquilo que os professores militantes dizem combater.
Não
poderia concordar mais, portanto, com o diagnóstico do movimento Escola Sem
Partido. Sou partidário da causa. Mas discordo da posologia. A solução para
esse problema não é uma lei. Nem uma lei que proíba os professores de se
posicionarem politicamente, como aquela aprovada em Alagoas e que tramita em
outros Legislativos estaduais, nem aquela que defende a mera colocação de
cartazes em sala de aula alertando alunos contra a pregação dos mestres, como quer
o projeto de lei federal. Creio que ambas serão inúteis, porque não se pode
fiscalizar o que ocorre em cada sala de aula do país, e o aluno não tem poder
para impedir que seu professor destile sua cantilena.
Alunos
e famílias que protestam sozinhos contra os desmandos de suas escolas costumam
ser hostilizados e perseguidos pelos professores. A lei que proíbe os
professores de se pronunciarem politicamente também me parece ser
inconstitucional.
Há
alguns anos fiz uma consultoria para o Ministério da Educação sobre sistemas
educacionais de excelência. Uma das conclusões, resumível em uma frase, é de
que, nos países de ponta, o consenso substitui a legislação, enquanto que no
Brasil a legislação substitui o consenso.
Nossos
problemas educacionais –tanto a ideologização quanto a péssima qualidade do
ensino– têm a mesma causa-raiz: quase ninguém se importa com o que acontece em
nossas escolas, quase ninguém reclama. Não precisamos de mais leis. Precisamos,
isso sim, de pais e mães que devotem uma porcentagem minúscula de seu tempo
para saber o que acontece na aula de seus filhos e se organizem para, juntos,
reclamar junto ao diretor de sua escola ou à Secretaria de Educação do seu
município ou Estado.
Pode
apostar e me cobrar: no momento em que um professor ou diretor souber que vai
ser incomodado por um grupo de pais porque seu filho teve uma aula medíocre ou
eivada de propaganda política, começaremos a ter a educação de que precisamos.
RESUMO: Autor
aponta doutrinação ideológica na educação pública. Levantamento indica que a
maioria dos professores considera mais importante "formar cidadãos
conscientes" do que transmitir conhecimentos. Mais do que leis, seria
preciso que pais e alunos se mobilizassem para barrar proselitismo político nas
escolas.
Por: Gustavo Ioschpe - Cientista Político - Folha UOL
Por: Gustavo Ioschpe - Cientista Político - Folha UOL
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