Responsável por desfalque de
R$ 3 milhões do FGTS, Ítalo Araújo, procurado pela Justiça, é funcionário
concursado da Suprema Corte desde 2000, após sair da Caixa por conta da fraude
BRASÍLIA - A Justiça Federal já bateu
em diferentes portas, nos quatro cantos de Brasília, atrás de um ex-gerente da
Caixa Econômica Federal (CEF) responsável por um desfalque de R$ 3 milhões do
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). O desvio do dinheiro para contas
bancárias da mãe, do irmão, da mulher, da filha e dos sogros de Ítalo Colares
de Araújo resultou numa pena de prisão de sete anos por peculato e de 14 anos
por lavagem de dinheiro. Desde 2009, a Justiça tenta localizar o ex-gerente da
Caixa para intimá-lo da sentença que o condena à prisão por dissimular a
obtenção ilícita de recursos públicos. A estratégia de Ítalo — exitosa até
agora — é informar endereços errados e múltiplos. O oficial de Justiça, porém,
não teria dificuldade para encontrar o réu se batesse à porta de um importante
endereço na Praça dos Três Poderes: o Supremo Tribunal Federal (STF).
Ítalo, que se livra da prisão graças a
orquestrados recursos e a falhas do Judiciário, dá expediente na Seção de
Recebimento e Distribuição de Recursos do STF. Chegou à máxima Corte da Justiça
por concurso público para técnico judiciário, em 2000, um ano após ser demitido
do banco em razão da fraude milionária.
Em 2003, foi aprovado em novo concurso
para analista judiciário e lotado na Seção de Recursos. O salário atual é de R$
11,3 mil.
Sem castigo. Ítalo Colares
de Araújo desviou dinheiro para as contas bancárias da mãe, do irmão, da
mulher, da filha e dos sogros - André Coelho / André
Ítalo já assessorou a
presidência do STF, na gestão de Maurício Corrêa (morto em 2012), e foi chefe
de gabinete do ministro em 2003. Em 2006, exerceu função comissionada no gabinete do então ministro
Eros Grau. No mesmo ano, ele atuou no gabinete do ministro Marco Aurélio Mello
por um mês e esteve próximo de conquistar mais uma função de confiança, segundo
relato do próprio servidor em entrevista ao GLOBO. Há poucos meses, diz ele,
foi convidado pelo gabinete do recém-empossado ministro Teori Zavascki, e recusado
para evitar constrangimentos.
A história de Ítalo, servidor do
Supremo, é um símbolo da Justiça brasileira, marcada pela morosidade, pela
infinitude de processos e pela impunidade dos crimes, em especial dos casos de
corrupção. Os saques fraudulentos do FGTS e a distribuição do dinheiro para
contas bancárias da família ocorreram em 1998 e em 1999 — há 15 anos, portanto.
A Caixa identificou contas fictícias abertas pelo então gerente da agência do
Lago Sul e situações em que ele desviava parte do FGTS que deveria ser
depositado nas contas de clientes. O valor inicial da fraude, apontado pelo
banco, era de R$ 6,5 milhões.
O Tribunal de Contas da União (TCU)
comprovou um desfalque de R$ 3 milhões. Ítalo reconhece um desvio de R$ 2,5
milhões. O “erro” na administração do FGTS foi admitido, inclusive, perante os
ministros do TCU, na análise de um recurso em maio deste ano.
O servidor do STF assumiu a ocorrência
da fraude e eximiu de culpa a mãe, Leopoldina Maria, e o irmão, Dênis Colares
de Araújo. Na conta de Dênis foram depositados R$ 78 mil. A Justiça enxergou
má-fé e também o condenou por lavagem de dinheiro a sete anos de prisão em
regime semiaberto. Após um recurso, o TCU enxergou boa-fé, mas ordenou a
devolução do dinheiro. Dênis é delegado da Polícia Federal e já atuou no
Superior Tribunal de Justiça (STJ) e na Divisão de Combate ao Crime da Polícia
Rodoviária Federal. A pena de Leopoldina foi de quatro anos de prisão em regime
aberto.
Todos os processos na Justiça,
investigações da PF e do Ministério Público Federal, auditorias do TCU e até os
parentes mais próximos de Ítalo atestaram a materialidade do crime.
Praticamente nenhum recurso foi aceito em 15 anos, nas diversas instâncias.
— Meu filho cometeu atos levianos e irresponsáveis —, diz a mãe num recurso.
— Ítalo praticou atos irresponsáveis e repugnantes — afirma Dênis em outra manifestação no processo.
O próprio servidor do STF, ao GLOBO,
admitiu ter recebido o dinheiro do FGTS na forma de “comissão” e ter praticado
crime de corrupção:
— Meu erro foi corrupção passiva. Era muito novo, errei,
envolvi a minha família. Mas não houve peculato, não houve desvio de dinheiro
público.
A condenação por peculato na primeira
instância da Justiça Federal ocorreu em 2000. Ítalo recorreu contra a sentença
e, diante da falta de movimentação do processo no Tribunal Regional Federal
(TRF) da 1ª Região, o crime foi julgado prescrito em 2008.
Em 2009, em outra ação, ele foi
condenado a 14 anos de prisão por lavagem de dinheiro, com a mãe e o irmão.
Ítalo tentou anular a sentença no TRF, alegando que não foi intimado sobre o
depoimento de uma testemunha de acusação, o que foi desmentido pelos juízes do
caso. O recurso caiu no TRF e no STJ.
Depois, Ítalo passou à estratégia dos
endereços errados.
Na Justiça também tramita, desde 2000,
uma ação de improbidade administrativa. Ítalo já apresentou recurso defendendo
a ocorrência de prescrição. O servidor não devolveu um centavo do dinheiro
desviado. Tramitam na Justiça oito processos de execução de título
extrajudicial, a partir de decisões do TCU sobre a devolução do dinheiro. O
órgão aplicou uma multa de R$ 50 mil e decidiu, em 2004, que o servidor não
poderia exercer função comissionada até 2012. Ele já estaria, portanto, apto a
cargos de confiança. Ítalo tem bens sequestrados, responde a processo por crime
contra a ordem tributária e é cobrado judicialmente por imposto que deixou de
ser pago sobre rendimentos omitidos – tudo relacionado à fraude na Caixa.
Fonte: Site Globo.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário