A grande maioria das pessoas acha que política é uma atividade relacionada com governo, partidos políticos, esfera pública, ideologia, políticas públicas, etc. Uma definição mais formal dessa leitura diria que a política é a pratica da arte ou ciência de dirigir e administrar estados ou outras unidades políticas.
O que
tem de errado nessa definição?
Muita
coisa!
O
principal problema é confundir o locus da atividade com a natureza da mesma.
Uma definição de política que retrata apenas o universo governamental não é uma
definição de política, mas uma descrição sobre uma das manifestações da
atividade política. Portanto, aqueles que acham que a política está restrita a
esfera governamental ou pública não entenderam o que é política.
A
política não está presente somente na vida pública. A política é uma atividade
humana. Ou seja, onde houver interação haverá política!
Existe
política dentro de casa?
Nos
negócios?
Nas
empresas?
No
mundo acadêmico?
Entre
alunos e professores?
Marido
e mulher?
A
política está presente em todos esses ambientes. A própria análise do risco
político internacional se depara com fórmulas variadas de entendimento da
política. Analisar e gerir o risco político no Brasil demanda monitorar o
comportamento dos partidos e dos políticos no Congresso. Na China devemos olhar
para a dinâmica e facções internas do Partido Comunista. Já na Arábia Saudita a
política do estado é familiar. Nesses três modelos a essência da atividade é a
mesma: todos possuem e fazem política. A única diferença é o contexto onde a
política acontece.
Se
todo mundo pudesse ter tudo aquilo que quisesse não existiria política. Não
preciso da política quando não me falta nada e sou completamente autônomo. Para
obter a maioria das coisas precisamos nos esforçar, competir, conceder,
negociar, persuadir, seduzir e algumas vezes brigar. Thomas More, na sua obra
Utopia, descreve um mundo ideal, com todos os meus desejos satisfeitos, como
uma realidade utópica. O significado da palavra utopia quer dizer o “não-lugar”
ou “lugar que não existe”. Esse “não-lugar” seria um lugar sem política. De
forma similar, se eu vivesse em uma ilha deserta, sem humanos, também não
existiria política. Não se faz política com o coqueiro ou as ondas do mar.
Aristóteles
dizia que a política não é meramente uma luta para satisfazer as necessidades
materiais em um contexto de escassez. Portanto, mesmo a noção de satisfação
material plena não eliminaria a existência da política. Em sociedades
complexas, diferentes questões surgem.
Por
exemplo: quem deve governar?
Que
autoridade e poder o governante deve ter?
Para
os moralistas, a política deve buscar algum objetivo nobre ou possuir uma
estrutura organizada para proteger certas coisas. Dentro desses objetivos ou
valores inseridos nas estruturas, temos as ideias de justiça, igualdade,
liberdade, felicidade, fraternidade, autodeterminação.
Outros
pensadores não enxergam a política com ênfase no objetivo moral. Para os
Maquiavélicos e Hobesianos, a política é sobre poder. Poder é o meio pelo qual
os fins são atingidos. Sem poder, os valores nobres não servem para nada.
Quem
está certo, os moralistas ou realistas?
Tanto
faz. Isso não muda a natureza da política. Dizer que a política deve ter como
objetivo a busca pela “igualdade” não elimina as divergências (políticas) que
surgem dos diferentes entendimentos sobre “igualdade”. A política é uma
combinação de realismo e moralismo. O poder sempre será um fator na política,
afinal ter mais poder ajuda a avançar as minhas vontades e objetivo.
Entretanto, poder não o único elemento em jogo. Valores – como justiça ou
liberdade – podem ser ferramentas de poder ao suscitarem mobilização, atração e
empatia.
Política no Brasil
Nos
últimos meses a política parece ter virado o centro de gravidade do Brasil. Na
realidade sempre foi – não só no Brasil, mas em qualquer lugar do mundo e em
qualquer interação humana. O mais grave e preocupante é perceber o quanto nossa
sociedade e cultura não entende o que é política. A crise do país tem instigado
a grande maioria dos brasileiros, e particularmente alguns formadores de
opinião, a emitirem suas opiniões e pareceres sobre o nosso atoleiro político.
Muitas dessas opiniões são ideias recorrentes e fazem parte de um repertório
antigo de percepções que nossa sociedade tem pela política. Três delas me
chamam atenção:
“Não vamos discutir”
A
primeira ideia desconecta a política da sua razão de existir. A política só
existe porque não há concordância. Isso significa que a política só se aplica
para seres vivos capazes de se comunicar simbolicamente e portanto fazer
declarações, evocar princípios, argumentar e discordar. Semana passada ouvi de
uma pessoa – supostamente recém engajada na política – que eu era chato porque
os meus comentários questionavam ou contestavam os seus argumentos. O
brasileiro classifica a política – ao lado da religião e do futebol – como uma
categoria de coisas que não se pode discutir para não criar atrito e
desconforto. Como alguém pode debater política sem confronto? Que eu saiba,
debater pressupõe discordar, questionar ou contestar. O que é a política senão
o embate? Se eu não puder discordar e conduzir minha discordância para o
convencimento do outro lado eu não estou fazendo política.
Esse
problema está presente até mesmo no comportamento da nossa classe política. Em
um extremo, temos aqueles partidos ou ideologias que não aceitam a discussão
por acharem que a discordância é um obstáculo para seu poder. Essa é uma
mentalidade autoritária que tenta calar ou eliminar a divergência e enxerga na
oposição o inimigo a ser eliminado. No outro extremo, temos aqueles partidos
que não conseguem contrapor o discurso do oponente por receio de parecerem
agressivos. É aquela postura subserviente e acanhada. Sempre refém e com medo
de ser enquadrado na moldura, criada pelo oponente, de sabotador. A falta de
embate elimina a política e conduz as interações para um monólogo hegemônico.
“Os políticos deveriam achar uma solução pelo bem do país”
Esse
é outro clichê da percepção da política. “Os políticos nunca chegam a nenhum
acordo e não permitem que o país avance”. Recentemente um empresário bem
sucedido sugeriu que os políticos deveriam se reunir e achar uma solução para
nossa crise. A política é exatamente esse processo de tentativa de se chegar a
um acordo. A maioria das situações que os politicos lidam são complexas e não
possuem zonas de acordo com ganhos mútuos para todos os lados. Cada político
que está no poder representa ideias e valores dos seus eleitores. Por pior que
seja o DNA ideológico dos partidos brasileiros, os eleitores ainda assim
escolhem seus representantes por afinidades. Se um político do PSOL fosse
defender a privatização da Petrobras, certamente não iria receber os votos dos
seus eleitores nas próximas eleições. As divisões políticas que existem entre
os nossos representantes são divisões existentes na nossa sociedade. Alias,
todas as sociedades democráticas funcionam assim. Acordos suprapartidários e
nacionais demandam muito capital e liderança política. A necessidade de um
líder competente nos leva para o terceiro ponto.
“Não gosto e participo dessa política”
Uma
outra frase de outro empresário, também bem sucedido, chamou minha atenção. Ele
disse: “eu não participaria da política brasileira porque tem muita
politicagem”. O que é politicagem? O dicionário Houaiss explica: “política de
interesses pessoais, de troca de favores, ou de realizações insignificantes”.
Muitos vão dizer que o problema está “nos interesses pessoais” e nas “trocas de
favores”. Vamos olhar a definição de política do mesmo Houaiss: “habilidade no
relacionar-se com os outros tendo em vista a obtenção de resultados desejados”.
É obvio que os “resultados desejados” estão ligados a interesses. Não existem
objetivos sem interesses.Até mesmo os objetivos nobres ou altruístas são fins
norteados por interesses. Salvar pessoas pode ser o objetivo e o interesse por
trás disso seria fazer o bem. O leitor vai apontar para os interesses pessoais
na esfera pública. Vamos ver como esse conceito funciona. Na teoria, “utópica”
ou até moralista, a defesa dos interesses pessoais é a “falha no caráter” do homem
público. No “mundo de More” não deveria existir política com interesses
pessoais. Na vida real aquele que não se preocupa com a sua sobrevivência
política (seus interesses pessoais) não é capaz de defender ou avançar os
interesses daqueles que ele representa. Todo mundo tem interesses pessoais e
coletivos. Ao defender minha permanência no poder eu estou defendo um interesse
pessoal, mas ao defender a democracia eu também represento um interesse
coletivo de todos os democratas.
Será
que a política pública seria melhor com políticos que não fossem capazes de se
manter no poder (defender seus interesse pessoais)? Vou começar com um exemplo
do mundo dos negócios para aliviar o estigma da política. Steve Jobs fundou a
Apple em 1976 e foi expulso em 1985 depois de uma longa disputa política no
conselho. Para os acionistas esse evento seria o começo de um período terrível
em relação ao valor de mercado da empresa. Se Jobs tivesse sobrevivido
politicamente, e sido bem sucedido na defesa dos seus interesses pessoais, os
interesses coletivos (valor das ações) teriam sido protegidos. Felizmente, Jobs
se recuperou e voltou a liderança da Apple para avançar os interesses coletivos
de todos os acionistas e transformá-la na mais valiosa empresa do mundo. Um
líder que não sabe defender sua permanência no poder é um líder fraco. Um
político que não presa por seus interesses de sobrevivência política é um
amador. Amadores não são bem sucedidos em ambientes profissionais. Vejam que
isso não é uma premissa válida somente para a esfera pública, mas para todas as
atividades humanas. Um líder que não soube calcular com astúcia sua
sobrevivência política é um governante refém dos outros e uma fonte de
instabilidade para o sistema.
Consequências e Conclusão
Infelizmente
o brasileiro demonstra um profundo desentendimento do que é a política. As
consequências são graves e geram inúmeros problemas. Alguns deles são: o
desinteresse que inibe a participação; a desilusão que impede a renovação, e as
falsas expectativas que levam à frustração. A maioria das críticas em relação a
política pública estão focadas no sintoma e não na causa do problema. Essas
críticas costumam não ser construtivas uma vez que não se entende a causa do
problema. As dificuldades públicas no Brasil estão muito mais ligadas com a
aplicação das leis, solidez do estado de direito, combate à corrupção e
impunidade, má gestão pública, transparência, independência do Judiciário, etc.
Ademais, quando negamos a política estamos alimentando duas visões radicais e
destrutivas: uma autoritária e outra servil.
O
atraso do Brasil não é originado pela política, mas pela falta dela. Temos que
parar de usar a política como bode expiatório para todas dificuldades do país,
e, consequentemente, parar de acusar a classe política uma vez que esses não
são nada menos do que um produto da sociedade que vivem. Platão já disse com
precisão: “O castigo dos bons que não fazem política é ser governado pelos
maus”. O Brasil precisa de mais gente abraçando e participando da política.
Parece contraditório, mas precisamos deixar o falso moralismo e a hipocrisia de
lado para começar a aceitar que somos animais políticos em todos os momentos.
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